Para evitar qualquer mal entendido, quero reafirmar meu total compromisso com a liberdade de expressão. Acredito que esse deve ser uma garantia fundamental na sociedade de modo a permitir o amadurecimento da democracia e do livre pensamento. Dessa forma, refletir, discutir, dialogar e construir devem ser ideais perseguidos eternamente. Porém, o compromisso com a liberdade de expressão não pode ser confundido com a liberdade para perseguir, excluir ou agredir minorias.
O pacto social é algo complexo, fundamentado na consolidação de uma série de direitos coexistentes que formam um arcabouço de defesa dos cidadãos e da coletividade. Direitos fundamentais são constituídos para preservar a ordem social, a liberdade individual e os direitos das minorias e formam um conjunto normativo que orienta condutas, pune desvios e disciplina comportamentos. Portanto, para analisar adequadamente o cada vez mais inflamado debate sobre homofobia e liberdade de expressão, é preciso ter em mente que, tão importante quanto a liberdade de expressão, é a preservação da integridade física e moral dos indivíduos e a garantia de exercício de sua plenitude enquanto ser humano e cidadão.
A luta histórica pela consolidação da democracia e de um estado capaz de assegurar a defesa de seus cidadãos resultou no amadurecimento dos conceitos de liberdade de expressão e estimulou o fortalecimento das demandas por respeito aos direitos humanos. Quando, surgem conflitos entre esses direitos, é preciso buscar uma abordagem transversal, capaz de encontrar pontos de contato, identificar pontes de diálogo, convergências entre conceitos para evitar que a defesa de um direito implique em fragilização de outros.
Dessa forma, o argumento de que a liberdade de expressão justifica todo e qualquer tipo de abuso ideológico ignora o fato de que, ao propagar discursos de ódio e intolerância, a incitação à violência tem um potencial destrutivo significativo que coloca em risco a vida de milhões de pessoas renegadas à condição de minoria.
Nos últimos anos, o avanço em relação aos direitos individuais foi acompanhado por uma perigosa e poderosa onda conservadora. Ao mesmo tempo em se tem mais liberdade para demonstrar publicamente a orientação sexual, casos de violência contra homossexuais ganham as manchetes e expõe a até então silenciosa estatística de violência relacionada a gênero. Ao mesmo tempo em que mulheres reafirmam suas posições de protagonismo social, econômico e político, outras tantas precisam marchar pelo direito de expressarem sua individualidade sem serem hostilizadas como putas, vagabundas que merecem ser violentadas. Ao mesmo tempo em que o debate sobre a questão das drogas ganha a participação de importantes intelectuais, acompanhamos desastradas ações do Estado no combate ao crime. Ao mesmo tempo em que o STF promove avanços em relação ao aborto, o tema é usado de maneira baixa em um debate rasteiro por políticos que se apropriaram da bandeira da defesa da família para reduzir a última eleição presidencial a uma discussão rasteira, empobrecida e deturpada.
Nesse contexto, de fortalecimento da corrente conservadora, mensagens discriminatórias ganham contornos perigosos e podem incitar um estado de tensão e ódio entre grupos de cidadãos. É preciso ter em mente o poder da disseminação do ódio. Ao pregar contra determinados grupos, os interlocutores devem estar cientes do seu poder de influência sobre seus ouvintes e, caso essa consciência não seja inata, é preciso criar instrumentos institucionais para garantir a responsabilização daqueles que pregam o ódio e a intolerância.
A sociedade não pode permitir que discursos conservadores ganhem força a ponto de ameaçarem a consolidação de direitos individuais e o estado democrático vigente. Se, por um lado, é preciso garantir a liberdade de expressão, é preciso lutar para que ela não se torne instrumento de violência e propagação do ódio e intolerância. Um grande exemplo de que é preciso mudar inclusive a intolerância justificada pelo discurso religioso é a questão negra que, por muitos anos foi institucionalizada e ratificada inclusive pela Igreja Católica que negava a existência de alma para justificar moralmente a escravidão. Não estou dizendo que o preconceito em relação à cor da pele tenha sido superado, porém, os avanços do debate criaram constrangimentos que tornam inimaginável alguma pregação religiosa contra negros. A transformação é possível e deve envolver todos os entes sociais, Estado, população, imprensa, academia, todos devem se valer nas ferramentas de mobilização para promover a consolidação dos direitos humanos.
Para saber mais, acesse o site do PLC 122 projeto de lei contra a homofobia.