Segue a entrevista.
A ESTRATEGIA É JUNTAR FORÇAS
Há oito anos Clinton fundou a Clinton Global Initiative, que
promove encontros anuais entre governos, empresas privadas e ONGs. Em
entrevista a VEJA, ele explica por que avalia que a união entre os três setores
é o melhor caminho para enfrentar questões como a desigualdade social e as
mazelas ambientais.
Como o senhor vê o papel dos cidadãos diante dos desafios do
século XXI?
Vivemos um período da história inédito em termos de
interdependência entre as nações. A riqueza e o talento, hoje, cruzam
fronteiras rapidamente, numa grande rede internacional, mas o mesmo acontece
com as forças negativas. A crise financeira que começou nos Estados Unidos e
varreu o globo provou como as condições sociais e econômicas das nações estão
interligadas. Não podemos mais ignorar o que acontece em outros países. A boa
notícia é que temos mais poder do que nunca para construir um mundo de valores
e oportunidades compartilhadas, mas, para obter sucesso no século XXI, três
setores da sociedade - governo, iniciativa privada e organizações não
governamentais, as ONGs - precisam trabalhar juntos. Isso vale para os países
ricos, como os Estados Unidos, para os pobres, como o Haiti, ou para aqueles em
rápido desenvolvimento, como o Brasil. E o papel das ONGs, grupos de cidadãos
que trabalham juntos em prol do bem comum, está se tornando cada vez mais
relevante. Os Estados Unidos sempre tiveram instituições não governamentais
fortes. Um dos fundadores da República americana, Benjamin Franklin, criou em
1736 o que pode ser considerada a primeira ONG da história, o Corpo de
Bombeiros de Filadélfia, composto exclusivamente de voluntários. Não havia
alternativa naquele tempo porque os impostos recolhidos pela prefeitura não
eram suficientes para bancar um corpo de bombeiros e nenhuma companhia privada
teria lucro com um projeto desse tipo. As ONGs são instituições únicas: por
serem formadas por cidadãos, não dependem de cargos políticos e, portanto, têm
mais liberdade para experimentar novas ideias. Ao contrário das empresas
privadas, não precisam produzir lucro para satisfazer os acionistas. Devem
prestar contas de suas ações e ser cuidadosas com seus orçamentos, mas, se algo
não dá certo, podem mais facilmente mudar de rumo e tentar uma estratégia
diferente. Por isso, as ONGs têm hoje um papel mais significativo do que nunca.
O que faz com que algumas pessoas sejam mais propensas do que
outras a se tornar voluntárias e doar tempo e dinheiro?
Pensei muito sobre isso. Parece-me que as pessoas doam por uma
combinação de fatores, com base no que pensam do mundo e no que pensam de si
mesmas. Algumas pessoas doam porque acham que o gesto de doar lhes dá mais
satisfação e recompensa do que gastar mais dinheiro em bens materiais e mais
tempo em atividades de lazer ou no trabalho. Outras doam porque se sentem
moralmente obrigadas a fazê-lo, amparadas em convicções éticas ou religiosas. E
há as que doam porque alguém que elas conhecem e respeitam lhes pediu que o
fizessem, ou porque acham que, doando, proporcionarão às nossas crianças um
futuro melhor. Os motivos opostos explicam por que as pessoas se recusam a
doar. Muitas não acreditam que a doação possa fazer grande diferença, seja
porque não podem doar muito, seja porque estão convencidas de que os esforços
para mudar as condições de vida de outras pessoas são inúteis. Não se sentem
moralmente obrigadas a doar e talvez ninguém lhes tenha pedido para fazê-lo. E
acreditam que vão aproveitar melhor a vida se guardarem seu dinheiro e seu
tempo para si próprias e sua família. Muita gente, em meio ao dia a dia do
trabalho e da vida familiar, não sabe como doar tempo e dinheiro de forma
eficaz. Nesse caso, deixa de doar, embora se sinta frustrada com isso. A
tecnologia está fazendo maravilhas para resolver esse tipo de situação. Ela não
apenas torna mais fácil doar como transforma um grande número de pequenas
doações numa doação de grande porte. Quando o tsunami devastou o Sudeste
Asiático, gente do mundo inteiro doou bilhões de dólares, grande parte pela
internet. Nos últimos tempos, doar uma pequena quantia fixa por meio de
mensagem de texto facilitou ainda mais o processo. Foi o que aconteceu após o
terremoto que atingiu o Haiti, há três anos. A escolha de doar tempo e dinheiro
é pessoal, mas quanto mais cidadãos tentam fazer a diferença mais perto
chegamos de vencer nossos grandes desafios.
O senhor daria algum conselho aos brasileiros acerca de como
enfrentar o século XXI?
Em primeiro lugar, amo o Brasil. Já visitei o país dez vezes, e
em dezembro vamos promover no Rio de Janeiro nossa primeira conferência Clinton
Global Initiative na América Latina. No ano passado, tive o prazer de dar uma
palestra na Universidade de Fortaleza, no Ceará, e fiquei mais convencido do
que nunca de que o povo brasileiro tem a noção exata de como criar um mundo de
oportunidades e responsabilidades compartilhadas. Digo isso porque, nesta
última década, o Brasil foi um dos pouquíssimos países a registrar ao mesmo
tempo um crescimento sólido e uma queda na pobreza e na desigualdade social.
Isso não aconteceu nos Estados Unidos, onde, no mesmo período, 90% dos ganhos
econômicos beneficiaram 10% da população. Desses 90%, 43% foram para 1% da
população, e a pobreza aumentou no país. Um dos principais motivos pelos quais
o Brasil continuou a crescer durante a recente crise econômica é que combateu o
problema da desigualdade. Darei outro exemplo. Quando estive em Manaus no Fórum
Mundial de Sustentabilidade, em 2011, havia executivos de grandes companhias de
petróleo, de eletricidade e de outros setores, políticos do Partido Verde e de
grupos ambientalistas, além de representantes das tribos indígenas e de
entidades de defesa da floresta. Ao contrário do que aconteceria nos Estados
Unidos, onde, num evento desse tipo, todos estariam levantando verbas para
produzir comerciais de TV atacando uns aos outros, os participantes do fórum de
Manaus estavam reunidos calmamente em torno de mesas, conversando
respeitosamente, porque sabiam que não havia respostas fáceis. Eles entenderam
que, para construir um país de prosperidade e responsabilidade compartilhadas,
teriam de enfrentar juntos as questões difíceis e descobrir novas formas de
cooperação mútua. Meu conselho, portanto, é prosseguir desta forma: manter
todos nas mesas -empresários, governo e cidadãos descobrindo maneiras criativas
de trabalhar juntos. É bom lembrar que, em qualquer tempo e em qualquer país, a
política é território dos que praticam a divisão, mas o futuro pertence aos que
praticam a cooperação.
Fonte: Revista
Veja
Por: Carolina
Melo
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