quinta-feira, 28 de março de 2013

Entrevista! Bill Clinton: "O futuro pertence a quem pratica a cooperação"

A edição 2314 de 27 de março de 2013 da Revista Veja, traz uma entrevista em que o ex presidente dos EUA Bill Clinton aponta a cooperação entre governos, empresas privadas e sociedade civil como alternativa para os problemas contemporâneos universais, 

Segue a entrevista. 


A ESTRATEGIA É JUNTAR FORÇAS
Há oito anos Clinton fundou a Clinton Global Initiative, que promove encontros anuais entre governos, empresas privadas e ONGs. Em entrevista a VEJA, ele explica por que avalia que a união entre os três setores é o melhor caminho para enfrentar questões como a desigualdade social e as mazelas ambientais.
Como o senhor vê o papel dos cidadãos diante dos desafios do século XXI?
Vivemos um período da história inédito em termos de interdependência entre as nações. A riqueza e o talento, hoje, cruzam fronteiras rapidamente, numa grande rede internacional, mas o mesmo acontece com as forças negativas. A crise financeira que começou nos Estados Unidos e varreu o globo provou como as condições sociais e econômicas das nações estão interligadas. Não podemos mais ignorar o que acontece em outros países. A boa notícia é que temos mais poder do que nunca para construir um mundo de valores e oportunidades compartilhadas, mas, para obter sucesso no século XXI, três setores da sociedade - governo, iniciativa privada e organizações não governamentais, as ONGs - precisam trabalhar juntos. Isso vale para os países ricos, como os Estados Unidos, para os pobres, como o Haiti, ou para aqueles em rápido desenvolvimento, como o Brasil. E o papel das ONGs, grupos de cidadãos que trabalham juntos em prol do bem comum, está se tornando cada vez mais relevante. Os Estados Unidos sempre tiveram instituições não governamentais fortes. Um dos fundadores da República americana, Benjamin Franklin, criou em 1736 o que pode ser considerada a primeira ONG da história, o Corpo de Bombeiros de Filadélfia, composto exclusivamente de voluntários. Não havia alternativa naquele tempo porque os impostos recolhidos pela prefeitura não eram suficientes para bancar um corpo de bombeiros e nenhuma companhia privada teria lucro com um projeto desse tipo. As ONGs são instituições únicas: por serem formadas por cidadãos, não dependem de cargos políticos e, portanto, têm mais liberdade para experimentar novas ideias. Ao contrário das empresas privadas, não precisam produzir lucro para satisfazer os acionistas. Devem prestar contas de suas ações e ser cuidadosas com seus orçamentos, mas, se algo não dá certo, podem mais facilmente mudar de rumo e tentar uma estratégia diferente. Por isso, as ONGs têm hoje um papel mais significativo do que nunca.
O que faz com que algumas pessoas sejam mais propensas do que outras a se tornar voluntárias e doar tempo e dinheiro?
Pensei muito sobre isso. Parece-me que as pessoas doam por uma combinação de fatores, com base no que pensam do mundo e no que pensam de si mesmas. Algumas pessoas doam porque acham que o gesto de doar lhes dá mais satisfação e recompensa do que gastar mais dinheiro em bens materiais e mais tempo em atividades de lazer ou no trabalho. Outras doam porque se sentem moralmente obrigadas a fazê-lo, amparadas em convicções éticas ou religiosas. E há as que doam porque alguém que elas conhecem e respeitam lhes pediu que o fizessem, ou porque acham que, doando, proporcionarão às nossas crianças um futuro melhor. Os motivos opostos explicam por que as pessoas se recusam a doar. Muitas não acreditam que a doação possa fazer grande diferença, seja porque não podem doar muito, seja porque estão convencidas de que os esforços para mudar as condições de vida de outras pessoas são inúteis. Não se sentem moralmente obrigadas a doar e talvez ninguém lhes tenha pedido para fazê-lo. E acreditam que vão aproveitar melhor a vida se guardarem seu dinheiro e seu tempo para si próprias e sua família. Muita gente, em meio ao dia a dia do trabalho e da vida familiar, não sabe como doar tempo e dinheiro de forma eficaz. Nesse caso, deixa de doar, embora se sinta frustrada com isso. A tecnologia está fazendo maravilhas para resolver esse tipo de situação. Ela não apenas torna mais fácil doar como transforma um grande número de pequenas doações numa doação de grande porte. Quando o tsunami devastou o Sudeste Asiático, gente do mundo inteiro doou bilhões de dólares, grande parte pela internet. Nos últimos tempos, doar uma pequena quantia fixa por meio de mensagem de texto facilitou ainda mais o processo. Foi o que aconteceu após o terremoto que atingiu o Haiti, há três anos. A escolha de doar tempo e dinheiro é pessoal, mas quanto mais cidadãos tentam fazer a diferença mais perto chegamos de vencer nossos grandes desafios.
O senhor daria algum conselho aos brasileiros acerca de como enfrentar o século XXI?
Em primeiro lugar, amo o Brasil. Já visitei o país dez vezes, e em dezembro vamos promover no Rio de Janeiro nossa primeira conferência Clinton Global Initiative na América Latina. No ano passado, tive o prazer de dar uma palestra na Universidade de Fortaleza, no Ceará, e fiquei mais convencido do que nunca de que o povo brasileiro tem a noção exata de como criar um mundo de oportunidades e responsabilidades compartilhadas. Digo isso porque, nesta última década, o Brasil foi um dos pouquíssimos países a registrar ao mesmo tempo um crescimento sólido e uma queda na pobreza e na desigualdade social. Isso não aconteceu nos Estados Unidos, onde, no mesmo período, 90% dos ganhos econômicos beneficiaram 10% da população. Desses 90%, 43% foram para 1% da população, e a pobreza aumentou no país. Um dos principais motivos pelos quais o Brasil continuou a crescer durante a recente crise econômica é que combateu o problema da desigualdade. Darei outro exemplo. Quando estive em Manaus no Fórum Mundial de Sustentabilidade, em 2011, havia executivos de grandes companhias de petróleo, de eletricidade e de outros setores, políticos do Partido Verde e de grupos ambientalistas, além de representantes das tribos indígenas e de entidades de defesa da floresta. Ao contrário do que aconteceria nos Estados Unidos, onde, num evento desse tipo, todos estariam levantando verbas para produzir comerciais de TV atacando uns aos outros, os participantes do fórum de Manaus estavam reunidos calmamente em torno de mesas, conversando respeitosamente, porque sabiam que não havia respostas fáceis. Eles entenderam que, para construir um país de prosperidade e responsabilidade compartilhadas, teriam de enfrentar juntos as questões difíceis e descobrir novas formas de cooperação mútua. Meu conselho, portanto, é prosseguir desta forma: manter todos nas mesas -empresários, governo e cidadãos descobrindo maneiras criativas de trabalhar juntos. É bom lembrar que, em qualquer tempo e em qualquer país, a política é território dos que praticam a divisão, mas o futuro pertence aos que praticam a cooperação.
Fonte: Revista Veja
Por: Carolina Melo

Nenhum comentário:

Postar um comentário